Fogo Bom ou Fogo Ruim? A experiência da Gestão Participativa no Parque Nacional Chapada das Mesas
Resumo
Fogo Bom ou Fogo Ruim? A experiência da Gestão Participativa no Parque Nacional Chapada das Mesas
Christiane de Almeida e Silva
Sibelly Resch
Sessão temática: ST 7. Estado e democracia: representação, participação e controle social na gestão pública.
Com a instituição do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), por meio da Lei Federal n.º 9.985/2000, a gestão participativa de Unidades de Conservação (UCs), incluindo as de proteção integral, como no caso dos Parques Nacionais, passou a ser obrigatória no Brasil. O Decreto n.° 4.340/2002 regulamenta a organização dos Conselhos Consultivos e Deliberativos das unidades de conservação, garantindo a participação dos diferentes atores que atuam no território. Esse espaço institucionalizado é um instrumento do Estado que visa o equilíbrio de forças que atuam e confrontam-se no território. Entretanto, Costa e Silva (2012, p.449), entendem que “ao se tornarem, eminentemente consultivos, os conselhos passam a ser mais um fórum popular que ao final dos debates acaba por referendar as decisões previamente propostas pelo Estado (quase) sem aportar (ou aportando pouco) ao processo decisório”. Nesse sentido, Evans (2012, p.13), enfatiza que “the problem is that the rhetoric of policy-makers so often emphasises the importance of citizen participation when in practice they really mean consultation between decision-maker and citizen. Indeed the idea of sharing the process of decision-making itself is unpalatable to most policy-makers”. Assim, a despeito da existência de espaços para participação na gestão das UCs, constata-se a urgência do exercício de uma participação qualificada e impulsionadora de um sistema de valores públicos. Nesse sentido, a participação do cidadão na formulação e execução da política pública, implica, no aprofundamento dos mecanismos de tomadas de decisão (EVANS, 2012). Para Loureiro e Cunha (2008), a criação das UCs negligencia a interação dos grupos sociais nos espaços protegidos. As restrições impostas aos grupos, sem que os limites sejam definidos por um amplo processo democrático, anulam os esforços em busca da conservação e do uso sustentável dos recursos. Nesse contexto, o presente trabalho descreve e analisa os mecanismos de gestão participativa para o Manejo Integrado do Fogo (MIF), implantado pelo ICMBio na Unidade de Conservação Federal, Parque Nacional Chapada das Mesas (PNCM), na cidade de Carolina no Maranhão, ação integrante do Projeto Cerrado-Jalapão, coordenada pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA). Trata-se de um estudo qualitativo e descritivo, realizado a partir dos dados coletados por meio de observação participante durante o ano de 2014. A gestão participativa é o eixo mobilizador de adesão dos residentes e atores sociais da região na gestão do PNCM, principalmente, na implementação das estratégias de enfrentamento das queimadas irregulares e incêndios florestais. O Parque está inserido no Bioma Cerrado, considerado a formação savânica mais rica em biodiversidade do mundo. O Parque Nacional Chapada das Mesas foi criado pelo Decreto s/no de 12/12/2005, totaliza 160.046.00 hectares e abrange os municípios de Carolina, Riachão e Estreito (MA). O PNCM abriga diversas fitofisionomias de Cerrado, incluindo grandes áreas com formações campestres e savânicas. Atualmente, cerca de 130 famílias residem no interior do Parque e utilizam o fogo como ferramenta de manejo para a maioria de suas práticas produtivas, especialmente a pecuária extensiva sobre pastagens nativas. A presença de moradores no interior do PNCM e o desenvolvimento de suas atividades geram conflitos em relação aos objetivos de conservação da UC. Anualmente, o PNCM registra a ocorrência de grandes incêndios, especialmente no final da estação seca (em 2010, incêndios afetaram cerca de 40% de sua área). Diante desse quadro, o ICMBio, órgão gestor do PNCM, tem trabalhado com diferentes estratégias, visando compatibilizar o modo de vida das famílias residentes no Parque e sua conservação. Uma das principais frentes de trabalho é a aplicação do Manejo Integrado e Adaptativo do Fogo. Durante o ano de 2014, foram realizados três encontros com as comunidades, denominados como “Rodas de Conversa”, baseados na aprendizagem vivencial, com método indutivo. A análise inicial indica que esses espaços possibilitam uma participação efetiva e construtiva para a troca de saberes e experiências vividas, promovendo o diálogo, a negociação e a pactuação de ações entre o gestor da unidade (agente do Estado) e os residentes (cidadãos), e entre os próprios residentes. Constitui-se também como um espaço de diálogo para os temas de interesse da comunidade, tais como: questão fundiária, uso do território, entre outras. Ao analisarmos os mecanismos participativos criados pela gestão do PNCM para a execução da política pública de manejo integrado e adaptativo do fogo, observamos o fortalecimento do espaço de decisão no tocante ao planejamento anual da área a ser manejada. Os residentes participaram da seleção, mapeamento de áreas de risco, planejamento e execução das queimas controladas. Ao final, elaborou-se um mapa de manejo do fogo anual da unidade de conservação. Além deste aspecto, os comunitários/residentes, participaram do processo de avaliação e decisão do planejamento compartilhado do uso do fogo na unidade, configurando-se como um processo de cogestão da política pública. A gestão participativa implementada no Parque Nacional Chapada das Mesas, está alinhada aos três aspectos que caracterizam a concepção democrática participativa (PATEMAN, 1992): a) ao tomar parte do processo de decisão, o indivíduo aceita-a mais facilmente; b) a participação estimula a integração social ao fortalecer o sentimento de pertença à uma comunidade; c) a qualificação para a participação no nível local contribui para que os sujeitos participem mais ativamente das decisões de outras esferas de governo.
Referências
COSTA, Guilherme Borges da; SILVA, Alessandro Soares da. Os desafios da Gestão Participativa de Áreas de Proteção Ambiental (APAs) no Brasil e as Contribuições da Noção de Negociação Política. Revista Gestão & Políticas Públicas, v. 2, n. 2, p. 441-459, 2012.
EVANS, Mark. Social participation in holistic perspective: Lessons from Europe. Anzsog Institute for Governance. University of Canberra, 2012.
LOUREIRO, Carlos Frederico Bernardo; CUNHA, Cláudia Conceição. Educação ambiental e gestão participativa de unidades de conservação: elementos para se pensar a sustentabilidade democrática. Revista Ambiente e Sociedade, Campinas, v. 11, n. 2, p. 237-253, 2008 . http://dx.doi.org/10.1590/S1414-753X2008000200003.
PATEMAN, Carole. Participação e Teoria Democrática, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.