JUDICIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE: UM OLHAR A PARTIR DA COMARCA DE CAMPINAS
Resumo
O termo judicialização da política, que nasce do trabalho de Tatte e Vallinder denomianado The global expansion of the judicial Power, publicado em 1995, tem sido designado para o fenômeno que busca a resolução de conflitos por meio do judiciário em áreas cuja atuação é majoritariamente política. A judicialização da política é um fenômeno de grande relevância mundial no debate das políticas públicas em razão do impacto das decisões das cortes no policy making. No campo específico das políticas públicas de saúde a judicialização tem se dado como a procura pela garantia de acesso às ações e serviços públicos de saúde por intermédio de ações judiciais.
A judicialização da saúde de deu de diferentes formas pelo mundo e em diferentes momentos históricos. No Brasil, a tentativa de resolução de conflitos políticos entre particulares e o Estado no tema da saúde e por meio do poder judiciário apenas se tornou relevante após a promulgação da Constituição Federal de 1988, conhecida como a Constituição Cidadã, que possibilitou, por meio da previsão de vários direitos sociais e fundamentais, a atuação do poder judiciário em matérias que eram antes apenas de competência dos poderes legislativos e executivo. O surgimento e desenvolvimento do fenômeno da judicialização da saúde estão ligados ao nível de democracia presente na sociedade e, por consequência, às normas e valores máximos estabelecidos pela carta magna de cada Estado. Assim, a capacidade do poder Judiciário de intervir em questões políticas está ligada à própria estruturação do sistema judiciário e sua inserção em uma sociedade dotada do mínimo de associações civis organizadas e ideologicamente definidas. A relação entre direito e políticas públicas surge, portanto, dos ordenamentos jurídicos considerados democráticos, em outras palavras, decorre dos princípios constitucionais, direitos e garantias fundamentais que norteiam a atuação do Estado.
A preocupação central do presente artigo é olhar o fenômeno da judicialização das políticas públicas de saúde no Brasil com foco em um conjunto de ações judiciais, descrevendo o fenômeno por meio de sua fonte concreta de manifestação, o processo judicial. Trata-se da descrição dos elementos processuais e fundamentos decisórios de 200 processos que versam sobre a garantia do direito à saúde. Tais ações estudadas tiveram como recorte de pesquisa as seguintes características: serem oriundas da Comarca de Campinas; julgadas pelo Tribunal Estadual no período correspondente ao ano de 2012; propostas em face do poder público; de caráter individual e que reivindiquem o direito fundamental à saúde. Procura-se então saber quais as características dos processos da justiça comum de primeiro e segundo grau do Estado de São Paulo, comarca de Campinas, sobre o acesso às ações e serviços públicos de saúde?
Para responder à pergunta central a execução do estudo se deu em uma etapa inicial de coleta de dados e uma posterior de organização. A coleta dos dados ocorreu por meio de consulta aos processos no site do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo considerando os critérios acima expostos. A partir dessa seleção foram coletadas várias informações referentes a cada processo. Essas informações foram então divididas em 4 grupos distintos, cada qual referente a um conglomerado de informações processuais.
O primeiro grupo de informações se refere à identificação da demanda e contemplou os seguintes elementos: número de identificação do processo (em primeira e segunda instancias); nome do autor da ação; identificação do réu da ação (estado, município ou ambos); data de início da ação; nome do advogado do autor; se o autor do processo é representado por advogado, defensor público ou Ministério Público; a qual foro da comarca se refere o processo; a vara; o juiz prolator da decisão recorrida; a patologia do autor da ação; o serviço ou bem demandado; se o autor da ação é idoso, criança, adolescente ou interditado; o custo mensal do bem/serviço demandado; o valor da causa; a petição inicial (espécie jurídica da ação inicial); e se houve deferimento de justiça gratuita.
O segundo grupo de informações se referiu às liminares e incluiu informações sobre o resultado da decisão liminar. Já o terceiro grupo reuniu informações sobre a decisão do tribunal e a decisão de primeira instância analisadas em cada processo. Os elementos desse terceiro grupo são os seguintes: recurso analisado (espécie jurídica); câmara (umas das câmaras de direito público); o relator da decisão; decisão recorrida (espécie jurídica); resultado da decisão recorrida; data da decisão recorrida; razões da decisão recorrida; decisão do tribunal (espécie jurídica); resultado da decisão do tribunal; razões da decisão do tribunal; e data da decisão do tribunal. Também houve a elaboração de um quarto grupo que se referiu às sentenças e recursos de sentença.
Houve a interseção entre os dados do segundo e do terceiro grupo e entre os dados do quarto e do terceiro grupo, o que foi levado em consideração na análise dos dados. As nomenclaturas usadas durante a pesquisa visaram facilitar a interpretação dos dados e os grupos foram divididos a fim de facilitar a visão cronológica do processo. O terceiro grupo foi constituído pra facilitar a comparação das decisões entre todos os processos, o que também não impediu comparações cruzadas entre os grupos. Todos os dados foram organizados em planilha Excel e depois analisados por meio de tabelas de estatística descritivas geradas a partir do software SPSS 23.
Os resultados mostram, com base nos grupos de informações, as características dos processos estudados, como os elementos processuais das demandas, os elementos decisórios, suas incidências e suas principais correlações. Espera-se que a visão proporcionada desse conjunto de processos originados no interior paulista possa contribuir para o estudo da judicialização da saúde na região e para o tema geral em sua magnitude.