Gestão em rede na atenção a crianças e adolescentes: limites e possibilidades à eficácia do acolhimento institucional
Resumo
Autor: Geralda Luiza de Miranda
ST 6 - Gestão social e políticas públicas
Diversos fatores têm impulsionado um intenso esforço de reestruturação da gestão das políticas sociais brasileiras, entre os quais se destacam o fortalecimento do sistema de proteção social nas últimas décadas, cujas evidências principais são a ampliação do leque de direitos sociais e o adensamento normativo e organizacional das políticas destinadas à sua garantia; a emergência de severas críticas ao modo de organização e atuação das burocracias públicas, no bojo de uma dinâmica mais geral de redemocratização do Estado; e, por fim, a maturação de um longo aprendizado científico e organizacional sobre a natureza e dinâmica de problemas sociais complexos. Combinações diversas entre as estratégias de transversalidade, intersetorialidade, territorialidade, participação social e redes de gestão denotam um intenso esforço de reestruturação organizacional e funcional por parte dos gestores públicos que tem alimentado e, ao mesmo tempo, se beneficiado de esforços acadêmicos de sistematização e teorização (entre outros, SERRA, 2005; DAGNINO, 2004; TEIXEIRA, 2002).
Em termos analíticos, algumas dessas estratégias possuem escopo e objetivo específicos e incidem sobre diferentes etapas do ciclo de políticas – por exemplo, a intersetorialidade – enquanto outras são mais complexas, configurando-se pela combinação de mais de uma dessas estratégias – por exemplo, a gestão em rede, que supõe a intersetorialidade, a transversalidade e a participação social. No âmbito da prática da gestão, essa superposição se configura como interdependências, supostos que favorecem ou, quando não se verificam, desfavorecem a realização dos objetivos das políticas e dificultam a análise de sua eficácia e de sua contribuição na solução dos problemas sociais.
A política brasileira de atenção à criança e ao adolescente está entre as que mais utilizam essas estratégias, especialmente no serviço de acolhimento institucional de crianças e adolescentes em situação de risco. Desde sua criação pelo Código de Menores de 1927, a gestão desse serviço foi estruturada em rede e, nas décadas subsequentes, especialmente a partir da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, além de ampliar o escopo da rede, a gestão dessa política incorporou formalmente outras estratégias, em especial, a intersetorialidade e a transversalidade. Em termos gerais, parece que esse movimento de complexificação da gestão, paralelamente ao fortalecimento do sistema de proteção social brasileiro, tem favorecido a eficácia e a efetividade desse serviço, mas análises com esse escopo ainda são incipientes.
Neste paper, pretende-se avaliar a eficácia do Serviço de Acolhimento Institucional a crianças e adolescentes, implementado no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (Suas), na realização das metas preconizadas pelo ECA, especificamente a de excepcionalidade na aplicação da medida abrigo – apenas quando esgotadas todas as alternativas de proteção - e a de provisoriedade do abrigamento – por um período máximo de dois anos. Argumenta-se que essa eficácia está relacionada tanto com a configuração da rede formada para a gestão do serviço, nos municípios e microrregiões brasileiros, quanto com a efetividade da implementação das estratégias de gestão previstas em seu desenho formal.
A discussão está organizada em três seções: na primeira, são discutidos os aspectos teóricos das estratégias de gestão social, especificamente as que são subsumidas na gestão em rede, quais sejam, a transversalidade, a intersetorialidade e a incorporação da participação social na formulação, implementação e controle das políticas públicas, e mapeada a tradução empírica dessas estratégias no desenho formal do serviço de acolhimento institucional à criança e ao adolescente; na segunda, é apresentada a configuração da oferta desse serviço em nível de Brasil, destacando-se seus problemas (especialmente sua escassez, a desigualdade de sua distribuição e sua concentração nas grandes cidades) e os desafios e possibilidades que se verificam, também em nível de Brasil, na implementação dessas estratégias de gestão (especialmente, a falta de priorização da atenção desse segmento em algumas das instituições que compõem a rede, falhas na intersetorialidade na prestação do serviço, falta de autonomia das instâncias de participação social no desempenho de suas atribuições, omissão na responsabilidade pela oferta por parte dos governos estaduais etc.); por fim, na terceira seção, analisa-se a relação entre os desafios verificados na gestão do serviço e sua eficácia na realização das metas de excepcionalidade da aplicação da medida de proteção abrigo e de provisoriedade do acolhimento institucional. Apesar de os avanços nas políticas sociais brasileiras terem possibilitado, em perspectiva histórica, a queda no número de crianças e adolescentes em abrigos, a medida de proteção abrigo ainda é recorrentemente utilizada em situações em que ela não se aplica (incluindo a de pobreza), e o tempo de acolhimento da parte significativa das pessoas acolhidas supera o estabelecido pelo ECA: 79,1% e 25,5% das pessoas acolhidas em unidades destinadas exclusivamente a crianças e adolescentes com deficiência e em unidades destinadas a crianças e adolescentes estão nessas unidades há mais de dois anos, respectivamente. A menor eficácia na realização da meta de provisoriedade do acolhimento é constatada nas unidades sob a gestão de entidades privadas; na sequência vêm as unidades governamentais estaduais e municipais. Em termos regionais, verifica-se menor eficácia nas unidades da Região Nordeste, seguidas pelas das regiões Sudeste e Sul.
As análises empíricas sustentam-se nos dados coletados no Censo Suas, de 2013, que são complementados, de forma a exemplificar alguns processos ou desafios, por dados reunidos em pesquisa realizada na rede de proteção à criança e ao adolescente do município de Belo Horizonte, também de 2013.
REFERÊNCIAS
TEIXEIRA, Sonia M. F. O desafio da gestão das redes de políticas. VII CONGRESO INTERNACIONAL DEL CLAD SOBRE LA REFORMA DEL ESTADO Y DE LA ADMINISTRACIÓN PÚBLICA. Lisboa, Portugal, 8 a 11 de outubro de 2002.
DAGNINO, Eveline. Sociedade Civil, Participação e Cidadania: de que estamos falando? In: Daniel Mato (Coord.). Políticas de Ciudadania y Sociedade Civil em tiempos de blobalización. Caracas: FACES, Universidad Central de Venezuela, 2004.
SERRA, Albert. La gestión transversal: expectativas y resultados. Revista del CLAD Reforma y Democracia, no. 32. Caracas, 2005.