POR QUE OS CONSELHOS NÃO FUNCIONAM? O DIAGNÓSTICO O’DONNELL

Nilo Lima de Azevedo

Resumo


Os conselhos municipais possuem um papel essencial quando se trata de analisar a gestão participativa pós-redemocratização do Brasil na década de 1980 e pós-promulgação da Constituição Federal de 1988. A razão dessa afirmação é que os conselhos municipais são, segundo Leonardo Avritzer, “instituições híbridas” que integram em sua formação membros da sociedade civil e do governo, podendo em sua natureza decisória serem deliberativos e consultivos. Neste sentido, se inserem no debate sobre os mais variados temas e políticas públicas, incluindo aí as do núcleo duro do bem estar social: saúde, educação e assistência social.

Outro ponto de destaque é que segundo o IBGE, mais de 90% dos municípios brasileiros possuem esse tipo de arranjo na estrutura de governo. Verifica-se assim, que, por suas características, os conselhos têm se multiplicado pelo Brasil nas mais diversas políticas e como uma das principais experiências recentes de gestão democrática. O formato dos conselhos municipais congrega elementos: da autonomia, da descentralização administrativa, da coordenação, e da inserção da participação popular na gestão das políticas públicas, com o objetivo de uma maior efetividade em sua implementação e controle.

Para compreender o cenário político-institucional, no qual os conselhos se encontram, nos valemos de teorias de matriz olsonina, com destaque para duas obras: Big bills left on the sidewalk e A lógica da ação coletiva. Em Big bills left on the sidewalk, Mancur Olson crítica a abordagem de Ronald Coase em relação ao custo de transação e as trocas voluntárias, uma vez que para Olson, a barganha espontânea, sem regulação não é capaz de gerar a eficiência necessária para o desenvolvimento de instituições econômicas e políticas que cuidem de grandes somas, contratos a longo prazo e outras operações mais complexas de mercado e da política. Para Olson, são necessárias instituições que coordenem o desenvolvimento econômico e social.

Em um país como o Brasil, de proporção continental, as políticas públicas consideradas essenciais para o Estado e para a sociedade, como educação, saúde e assistência social, necessitam de uma gestão coordenada para seu desenvolvimento e controle. Do contrário, os esforços de entes federativos isolados poderiam gerar custos elevados, e resultados ineficientes, como redundância de gastos, duplicidade de ações, e por falta de um padrão de provimento desses bens públicos a impossibilidade do controle da gestão administrativa.

Adiciona-se a isso, que o federalismo brasileiro possui como singularidade o fato de colocar o município como ente federativo, e, portanto, com autonomia federativa, isto é, uma autonomia política, administrativa e financeira estabelecida pela própria Constituição.

A autonomia federativa é o campo de competência constitucional em relação ao qual um ente federativo não pode interferir na competência de outro. O problema é que a autonomia pode significar uma falta, uma carência de coordenação necessária em políticas sociais mais amplas e universais, gerando no mínimo, um grave problema de uma avaliação global de efetividade e mecanismos de manutenção de uma accountability horizontal enquanto rede institucional.

O problema que se coloca é o seguinte: Como alcançar a cooperação da União, dos 26 estados, do Distrito Federal, e dos 5.570 municípios, em torno das políticas públicas, sendo cada um desses entes autônomos? A segunda obra de Mancur Olson, A Lógica da Ação Coletiva, em sua análise mais conhecida, procura demonstrar exatamente que as dificuldades e obstáculos para a ação coletiva de indivíduos, em busca de bens públicos, em grandes grupos (grupos latentes) inviabilizam a ação conjunta. Como forma de modificar o equilíbrio da participação, de uma ação de deserção para a cooperação, Olson apresenta como indutores os incentivos seletivos. Estes se caracterizam por serem distribuídos apenas a aqueles que participam da ação, que cooperam para o alcance do bem público.

A instituição de fundos federais, como forma de incentivos seletivos, com requisitos para seu recebimento voltados para a gestão local foi um fator determinante para a introdução das experiências dos conselhos municipais no Brasil e na estruturação dos sistemas nacionais de políticas públicas como o da saúde, educação e assistência social.

Apesar do seu desenho institucional, e o sucesso da implantação dessas instâncias participativas por todo o território brasileiro, o tema da não efetividade dos conselhos municipais, das dificuldades e obstáculos para o seu funcionamento, e para a consecução dos seus objetivos é usual na literatura especializada. O presente trabalho busca contribuir com a discussão trazendo à luz, variáveis e argumentos pouco explorados em trabalhos similares, como por exemplo: o federalismo, a coordenação de políticas públicas e a accountability.

Em relação a não efetividade dos conselhos municipais, a argumentação central utilizada se encontra no trabalho seminal do cientista político argentino Guillermo O’Donnell Accountability Horizontal e as Novas Poliarquias, que em resumo pode ser colocada da seguinte forma: nas novas poliarquias, que incluem o Brasil, havia a esperança que o regime democrático fosse uma variável suficiente para que antigas gramáticas de relações políticas e sociais tidas como perversas, a exemplo do clientelismo, não perdurassem. O que segundo o autor não ocorreu. O diagnóstico de O’Donnell é que apesar das novas democracias possuírem as características que as enquadram como poliarquias, segundo os critérios de Robert Dahl (1997), a elas faltava a dimensão horizontal da accountability, ou seja, uma rede de agências estatais com capacidade de direito e de fato para fiscalizar, monitorar e responsabilizar ações dos governantes e gestores públicos que se enquadrem como delitos. Com isso, se deduz que apesar de necessário um regime eleitoral representativo com todas as suas regras formais para escolha de representantes, a democracia depende do alcance e da extensão da sua rede institucional de accountability horizontal para estabelecer a sua qualidade democrática.

Diante desse quadro, as causas explicitadas do não funcionamento dos conselhos municipais, na literatura sobre o tema, estão recorrentemente ligadas aos aspectos interno do próprio conselho ou na sua relação com o governo municipal. Não se observam análises que abordam como a posição e o papel dos conselhos municipais no desenho federativo brasileiro, ou como a rede de accountability na qual estão inseridos, influenciam na efetividade de suas ações. É sob essa perspectiva que o presente trabalho se debruça.

Apresentação
Última alteração
16/09/2015