QUEM PAGA A BANDA, ESCOLHE A MÚSICA? UM MODELO PARA CAPTURAR A RELAÇÃO ENTRE FINANCIAMENTO ELEITORAL E ORÇAMENTO PÚBLICO

Rodrigo Rossi Horochovski, Ivan Jairo Junckes, Edson Armando Silva, Neilor Fermino Camargo, Joseli Maria Silva

Resumo


O financiamento de campanhas eleitorais guarda relação direta com a ação dos governos. Em outros termos, é plausível a hipótese de que quem financia partidos e candidaturas o faz com a expectativa de ter seus interesses atendidos nos processos decisórios em âmbito estatal, sejam eles legislativos, sejam aqueles relativos à alocação de recursos financeiros na realização de políticas públicas, vale dizer, a própria execução do orçamento público.

A literatura sobre financiamento eleitoral é vasta e diversos trabalhos demonstraram a relação entre dinheiro e voto, ou seja, que as chances eleitorais de partidos e candidaturas crescem conforme sua disponibilidade de recursos, em sua quase totalidade advinda de financiamento privado empresarial, ao menos no caso brasileiro em que prevalece o financiamento privado de campanhas políticas, não havendo tendência alteração dessa tendência em curto e médio prazo (CERVI, 2010; PEIXOTO, 2010 e 2014; SACCHET & SPECK 2012; SPECK & MANCUSO 2014). Grandes empresas são, enfim, bem-sucedidas na identificação daqueles que vencerão eleições e serão encarregados de decidir sobre as normas e os recursos estatais que lhes concernem diretamente.

A relação entre financiamento de campanha e destinatários das despesas públicas é constantemente afirmada, mas sua comprovação empírica não é tarefa trivial. Há esforços para demonstrá-la, podendo-se mencionar pesquisa do Instituto Kellogg, que há alguns anos ganhou repercussão midiática e segundo a qual para cada real investido em campanhas eleitorais, grandes empresas recuperariam R$ 8,50. Nesse sentido, são bem-vindos modelos metodológicos que prospectem tal relação e permitam a comparação de dados de prestações de contas eleitorais com dados de prestação de contas das despesas pagas pelos governos, da forma mais automatizada possível em função da enorme quantidade de informações envolvida. Este paper propõe modelagem deste tipo, com o emprego da metodologia de análise de redes sociais (ARS) e a utilização de programas computacionais gratuitos e de fácil acesso. Como caso de estudo, escolhemos as eleições para prefeito da cidade de Curitiba, em 2012, e a execução orçamentária do poder executivo deste município nos anos de 2013 e 2014. A hipótese a ser verificada é se há correspondências entre doadores de recursos das campanhas e os favorecidos pelo poder executivo.

A aplicação da ARS para atingir os propósitos da investigação é possível porque tanto o financiamento de campanha quanto a execução orçamentária formam redes sociais que se entrecruzam. Na primeira rede, os doadores de diversos tipos (empresas, pessoas físicas, comitês financeiros e direções partidárias) e os receptores (comitês financeiros, direções partidárias e candidatos) são os nós ou vértices da rede e as doações, as arestas ou laços que ligam os nós, de modo que entre doadores e receptoras são estabelecidos vínculos relacionais. A questão que se coloca é se esses vículos afetam os processos decisórios de produção de normas e alocação de recursos acima referido. É no que tange específicamente a este segundo aspecto, objeto desta pesquisa, que entra a segunda rede, derivada da execução orçamentária. Nela, governo e credores são nós/vértices e os pagamentos, as arestas/laços.

A modelagem seguiu os seguintes passos:

  1. Coleta dos dados em planilhas de prestação de contas eleitorais no sítio eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral (TSE): http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/repositorio-de-dados-eleitorais. Nesse caso, a consulta é relativamente simples, pois o órgão disponibiliza dados em planilhas .csv com os dados desagregados, de modo que é possível localizar todas as doações individuais de campanha, bem como doadores e receptores e respectivos CNPJs e CPFs que permitem sua identificação unívoca.
  2. Coleta dos dados de prestação de contas das despesas realizadas pela Prefeitura Municipal de Curitiba (PMC). Tais dados foram de obtenção mais difícil. Embora a capital paranaense possua Portal da Transparência e lá divulgue todas as despesas realizadas, estas não se encontram em planilhas únicas. É necessário consultar cada página individualmente para se conhecer os destinatários dos pagamentos realizados pelo executivo municipal, o que dificulta bastante uma análise global do orçamento a partir da informação disponibilizada na internet. Diante dessa dificuldade, fizemos uma solicitação formal dos dados para a PMC, que prontamente nos atendeu, fornecendo um CD com um único arquivo contendo as informações solicitadas. 
  3. Alimentação de um banco de dados, pelo gerenciador PostgreSQL, com as informações coletadas.
  4. Geração das planilhas com os dados normalizados e identificação unívoca dos atores presentes em ambas as redes consideradas.
  5. Geração das redes e respectivas estatísticas e grafos, pelo software Gephi.

O texto integral do paper traz os resultados da pesquisa, envolvendo todos os candidatos e partidos participantes do pleito analisado bem como as empresas que doam para eles e as que recebem da prefeitura de Curitiba, inclusive com os valores envolvidos. Como exemplo ilustrativo, a figura 1, a seguir, traz três tipos de nós: a) Cand./Part. é o vertice resultante da agregação dos candidatos a prefeito, comitês financeiros e direções dos diretórios municipais dos partidos que prestaram das receitas de campanha; b) PM Curitiba é a Prefeitura Municipal de Curitiba; c) os vértices que estão posicionados entre os dois primeiros são as pessoas jurídicas que aparecem ao mesmo tempo como doadores dos atores agrupados em Cand./Part. e credoras do executivo municipal.

 

[Ver arquivo complementar Redes PJ 3.pdf]

Fonte: elaboração dos autores com dados do TSE.

 

Figura 1 – Grafo rede de doadores/receptores presentes nas redes de doações de campanha (2012) e de pagamentos efetuados pela Prefeitura Municipal de Curitiba (2013, 2014)

 

 

Em suma, os achados da aplicação da modelagem proposta apontam para a viabilidade da captura dos vínculos entre doação de campanha e pagamentos executados pelo poder executivo. Dessa forma, é possível a realização de estudos com escopo mais amplo, com todos os entes federativos do Brasil, e que permitam responder parcialmente à questão: o que os grupos privados querem ao financiar campanhas, fazer doações para partidos ou candidatos em cujas propostas acreditam ou realizar um investimento com a possibilidade de dividendos futuros?

 

 

 

 

 

 

 


Apresentação
Última alteração
16/09/2015